Homem Comum Italiano

Giacomo Manfredi é um homem comum.
39 Anos, emprego estável numa fábrica de lâmpadas (emprego detestável), casado, infeliz, telemóvel rasca, casa nos subúrbios, caneca do leite com a asa partida… tudo o que um homem não quer ter:

- Para começar tem 39 anos, logo, apenas mais um ano e já é um quarentão.

- Fábrica de Lâmpadas? O que é que será o bónus anual? Uma caixa de lâmpadas novinhas de halogéneo?

- Casado? Um típico italiano não se quer casar, quer apenas ter 3978 mulheres até aos 60, enriquecer e aos 67 casar com uma loiraça rica de 20 anos.

- Infeliz… Palavras para quê?

- Telemóvel rasca… Bolas! Já não bastam todas as razões referidas atrás e o pobre homem nem sequer pode fazer inveja aos colegas de trabalho com um telemóvel de ultima geração?

- Caneca do leite com asa partida?! Qual é o homem que com 39 primaveras bebe leite? E ainda mais numa caneca. Aposto que é uma caneca com carochinhas às cores… E o pormenor da asa partida denota uma certa falta de dinheiro (justifica-se. Fábrica de Lâmpadas, lembram-se?), ou mesmo de interesse, pois se bebe nela todas as noite porque é que não se dá ao trabalho de comprar uma nova?

Giacomo tem uma rotina…

Giacomo é um homem comum...
Bom…
Talvez Giacomo não seja um homem comum, talvez Giacomo seja o homem comum italiano.

Viva à Inactividade!






Viva

Sangue na Barbearia...-Um Título que Lembra os Antigos Filmes de Terror

Tenho lido um livro muito interessante. Chama-se Crimes Exemplares de Max Aub. Neste livro os assassinos explicam o porquê dos seus terríficos e insólitos actos. Estas histórias são descritas de uma forma tão sincera (quase lógica) que chegamos quase a compreender e a concordar com o assassino. É absurdo. Mas eu divirto-me porque sou um pouco sádico (o que não quer dizer que deseje o mal às pessoas...quer dizer...). Bom. Mas o que me aconteceu foi estranho. Estava eu na barbearia, para cortar a carapinha, já grande, e, no momento em que o senhor agarra na navalha, lembrei-me duma das histórias mais ... estranhas ( é único adjectivo que encaixa aqui) do livro - o Barbeiro.


"Sou barbeiro. É uma coisa que pode acontecer a qualquer pessoa. Quero dizer que até esse dia fui um bom barbeiro. Cada qual tem as suas manias, eu não gosto de borbulhas.Aconteceu assim: comecei a barbeá-lo calmamente, ensaboei-o com habilidade, afiei a navalha no braço da cadeira e suavizei-a na palma da mão. Sou um bom barbeiro! Nunca cortei ninguém e ainda por cima esse tipo não tinha uma barba muito espessa. Mas tinha borbulhas. Devo reconhecer que nas suas borbulhas não havia nada de especial, no entanto, incomodavam-me, enervavam-me, revolviam-me as tripas.A primeira, contornei-a bem, sem grande dificuldade, mas a segunda começou a sangrar. Então, não sei o que me deu, acho que é uma coisa muito natural, aprofundei a ferida e depois, sem poder deixar de o fazer, com um só golpe, cortei-lhe a cabeça." by Max Aub in Crimes Exemplares.

Era de manhã. Tão fria que os próprios pinheiros se encolhiam. Acordei com o vento. Zumbia tanto que parecia lamentar a morte de um filho. Passava, desvairado, e, como que errante, embatia em tudo o que visse. Fiquei a ouvi-lo. Senti-me como que embalado naquele pranto. Senti-me arrebatado do resto do mundo. Apenas ouvia aquele arrepiante lamuriar.
O aroma de camomila, típico da minha mulher, prendeu-me à terra. Era isso e a fragrância que as panquecas, acabadas de fazer, lançavam no ar. Senti aquele impulso animalesco que nos impele a partir em busca da presa, neste caso, as panquecas.
Levantei-me, calcei os chinelos, vesti o robe e desci as escadas. Cheguei à cozinha e deparei-me com três doces – a minha mulher, que logo me contemplou com um beijo com sabor a mel, o meu cão, o Bob, e as panquecas pelas quais tanto ansiara.
A minha mulher tinha se esmerado! Aquelas panquecas douradas e redondas, regadas com as primícias do mel, que eu já provara nos lábios da minha mulher, acompanhadas de um leite que, de tão morno e doce, era como o leite que me amamentara durante os meus primeiros tempos de vida...Hum! Desfrutei aquele momento – uma vida quase perfeita. Todas as manhãs, descia do quarto, inspirava o ar impregnado do aroma de camomila da minha mulher, beijava-lhe os seus lábios de mel, brincava com o cão, comia as minhas panquecas e o meio leite morno e, daí em diante, teria a certeza que o dia correria bem.
Mas nessa manhã algo se passava de estranho. Já nem a lareira e o robe eram suficientes para me roubarem o frio. O vento zunia e bradava, parecia que, naquela manhã, juntara todas as suas forças para chorar e espalhar a sua dor. E eu sentia-me triste também. Não compreendia. É como se o vento tentasse compartilhar a sua dor comigo.
Nesse dia houve um incêndio que queimou dezenas de hectares da floresta. Estima-se que morreram queimados vários veados e lobos que não conseguiram fugir. Aquela bela floresta transformara-se num lugar de carnificina; onde outrora viviam animais selvagens, jaziam agora os corpos, que lentamente iam sendo consumidos pelas chamas.
Nesse dia o vento chorou perante a sua floresta de luto.


Anos mais tarde, de manhã, fui acordado. Desta vez não fora o meu fiel amigo vento a acordar-me – passando pela casa, como fazia todas as manhãs – foi a minha mulher, com o seu apetitoso beijo e a sua famigerada fragrância. D’entre os seus dentes de marfim e os seus olhos cintilantes, deslindei algo de diferente, algo de especial, um sorriso tamanhamente alegre – Que se passa mulher?! – perguntei já aflito de tanta ansiedade - Vamos ter um filho! – respondeu num tom meio nervoso. Tudo me pareceu estranhamente fantástico, uma alegria no peito que parecia nem caber dentro de casa.
Passaram-se sete anos e o meu filho era a alegria da casa. Era inteligentíssimo, alegre, educado, feliz, bondoso, meio irrequieto e estava sempre a falar – um espírito da Natureza. Brincávamos muitas vezes juntos, eu ensinava-lhe os trilhos, as fontes, o respeito pelos animais, íamos pescar, corríamos com o Bob... Por vezes passávamos o dia inteiro fora de casa a correr pela floresta, ou porque tinhamos uma doninha enfurecida atrás de nós, ou porque éramos perseguidos por um enxame de abelhas.
Uma vez, enquanto apanhávamos ramos secos para lenha, ouvimos vozes humanas, o que era estranho, pois a aldeia mais próxima ficava a mais de trinta quilómetros. Aproximavam-se furtivamente, como se procurassem algo sem quererem dar muito nas vistas. Parados, escutámo-los a aproximarem-se. Eles não nos viam nem nós os viamos pois estavam ocultos pela folhagem. Pararam. Combinavam algo... De repente ouvem-se motosserras. Era tal chinfrineira que ficámos petrificados. Os pássaros voavam e dava o alarme, viam-se folhas a mexer, animais a fugir e nós ficámos ali. Antes que pudéssemos reparar, já as árvores estalavam e começavam a cair. Caíam de todos os lados. Ali. Aqui. Mais perto. Estamos cercados. Desorientado, agarrei a mão do meu filho e corremos... Mas era tarde de mais. A árvore esmagou-lhe o crânio. Morte imediata. À minha frente. Só quando terminaram o derribar das árvores é que me encontraram. Ali, especado. Atónito. Apenas as lágrimas expressavam a minha dor. Pânico.
Nessa noite chorei. Mas não chorei sozinho. Nessa noite compartilhei a minha dor e o meu pranto com o vento. Juntei a minha tristeza e dor à dele.
Nessa noite a lua estava de luto.