Mulholland Drive




Simplesmente GENIAL!

Contém spoilers!


"Todas as interpretações que encontrei de Mulholland Drive (MD) consistem aproximadamente no seguinte: os primeiros 2/3 do filme são o sonho de Betty, alter-ego de Diane moribunda fisica e/ou psicologicamente; o último terço é a Realidade das vidas de Diane e Camilla. Concordo basicamente com a divisão mas não com a interpretação da primeira parte. É preciso ter presente o universo lynchiano: metafórico, onírico, alucinatório, barroco, católico, emocional, povoado de anjos e demónios mais ou menos inconscientes, internos e manipulativos, perversões, culpas, recalcamentos, purgatórios e redenções.Em MD, David Lynch usa, entre muitas outras, 2 "peças" metafóricas: a chave e o cubo, ambos azuis (o azul tem também significado metafórico e emocional ao longo de todo o filme, tal como a sua restante palete de cores): as chaves azuis "são" a MORTE (a morte física no caso da chave real que o assassino contratado usa como sinal; a morte potencial, metafórica ou real, no caso da chave azul estilizada que Camilla acha na mala; esta "morte" pode também ser entendida como a "key" para mudar radicalmente de... Vida, talvez no sentido de mudança fundamental que a carta da Morte encerra no Tarot. Quanto ao cubo, ele tem dois óbvios estados possíveis: fechado é o MISTÉRIO (o profundo mistério do significado da vida, o insondável, o incompreensível); aberto é a REVELAÇÃO. A associação é também óbvia: só a chave da MORTE permite a REVELAÇÃO do MISTÉRIO...Interpretar a primeira parte do filme como um sonho de Diane é dar a esta personagem todo o protagonismo. Camilla ficaria resumida a uma imagem de Diane e todo o filme seria basicamente a história de Diane. Ora em toda a aura de marketing que rodeia o filme bem como no que resulta do seu visionamento linear, transparece a história de duas mulheres, duas faces da mesma moeda, a loura e a morena, siamesas na obscuridade do enredo. Assim e equilibrando a equação, proponho a seguinte interpretação:Destroçada, transtornada e em desespero total, Diane compra o assassinato da sua amada Camilla. O mecanismo demoníaco da morte é accionado através dos seus executores físicos, psicológicos, mentais e surreais (não cabe aqui essa análise). A limo preta desliza de facto, na realidade!, ao longo da tortuosa e sinistra e perigosa estrada das colinas sobranceiras a Hollywood, donde se avista a espaços o Valley (a gigantesca planície de malha urbana e suburbana a que se pode vagamente chamar LA). Esta estrada é de facto perigosa e os acidentes acontecem. O eminente assassinato de Camilla fracassa subita e inesperadamente devido ao tremendo embate do carro de adolescentes em corrida delirante. Ferida, transtornada e em choque, Camilla desce pelos arbustos da encosta e refugia-se numa casa que (aparentemente) a única residente está a abandonar durante algum tempo, como se fosse de viagem. Amnésica e traumatizada em todos os sentidos, Camilla adormece ou alucina. A HISTÓRIA QUE SE SEGUE PODE MUITO BEM SER O SONHO/ALUCINAÇÃO de Camilla. É algo especulativo a partir daqui e até à parte "real" do filme, discernir o que é alucinação e sonho do que é realidade no percurso de Camilla e das outras linhas narrativas que estão em movimento: o realizador, o assassino, etc. Todos os argumentos sobre o enredo de estranhos personagens no suposto sonho à beira do fim de Diane são igualmente válidos para Camilla. Elas eram amantes e colegas, partilharam as vidas, os passados, as histórias, logo as personagens cabem perfeitamnete na alucinação de Camilla. Mas e Betty/Diane? Como se ajusta ela aqui? Na perfeição. Betty é um anjo lynchiano típico, o anjo perfeito da amnésica Rita (Camilla sem identidade). Betty é linda de mais, amiga de mais, amante de mais, maternal de mais para ser outra coisa que não um anjo na lenta recuperação de Camilla. É com o seu anjo da guarda que Camilla vai viver e falar, ser apoiada e receber a energia e iniciativa que não tem. Não é perfeito que a idealização angélica de Camilla seja precisamente a Diane que existe nas profundezas da sua memória, a amante que a amou acima de todas as coisas, a Diane ainda pura e "canadiana" do início do seu relacionamento? Não é perfeito que Camilla "crie" o anjo que a protege da culpa de ter mais ou menos voluntariamente destroçado a sua amada Diane através dos seus outros amores que só conhecemos na parte final? Não é perfeito que assim sendo não haja uma dicotomia entre duas entidades físicas Betty/Rita mas sim uma unidade: Camilla amnésica e seu anjo da guarda Betty são/estão na mesma pessoa.Esta interpretação permite "dar realidade" a muitos mais acontecimentos, ou, pelo menos, a deixar ao critério pessoal essa assumpção: a rede assassina anda de facto preocupada com o desaparecimento da marcada para matar; é para o telefone de Diane que é passada palavra de que a rapariga está desaparecida, mas ninguém atende pois Diane já se suicidou pensando que Camilla morreu pois recebeu erradamente a chave-sinal (isto é shakesperiano); é, no mínimo, genial que a alma liberta da suicidada Diane voe para ser o anjo de Camilla; se é Camilla que sonha o episódio da escolha da protagonista do filme de Adam é natural que nome e foto não correspondam pois Camilla amnésica não sabe quem é Camilla; além disso, supondo que as histórias envolvendo Adam são sonhadas (transfiguradas pelo sonho), quem melhor do que a noiva de Adam para ter tido conhecimento do que se passou com o lançamento do filme e a sua vida pessoal; quando das profundezas da memória, Camilla verbaliza o primeiro nome ele é "Diane" e orientada pelo seu anjo, visita (de facto?) a casa de Diane onde se depara com o cadáver que se confunde com um cadáver dela própria (de novo o jogo de espelhos); ainda orientada pelo seu anjo, temendo ainda mais pela vida ao ver-se associada aquele cadáver (e o mais que na sua memória profunda lhe lembrasse que tinha sido vítima de uma tentativa de assassinato), Camilla disfarça-se de... Diane (Genial!). Mas Camilla continua amnésica e sem as ferramentas suficientes para entender o sentido de tudo isto. É então que é acometida por uma necessidade vital de ir ao Silêncio de neon azul. Mulher e anjo correm (na realidade?) para este estranho teatro onde se encena a Grande Revelação em fumos azuis. "Não há banda" mas sim uma fita gravada ao som da qual os actores (todos nós) "sincronizam"; não há nada de novo, nem lugar ao improviso, apenas ajuste efémero ao som há muito gravado, até a profundíssima paixão da Llorona pré-existia e pos-existe a ela, desfalecida, e no fim, apenas o vácuo do silêncio. Da lição de Silêncio, Camilla e Anjo recebem metaforicamente o cubo azul de que necessita(m) para a revelação pessoal. Correm para casa (e é aqui que encontro a principal "prova" de que este sonho é de Camilla, pois imediatamente antes da revelação, ou seja, a abertura do cubo com a chave respectiva, o Anjo desaparece (desvanece-se?). Já não tem cabimento na verdade de Camilla. É Camilla que abre o Cubo. Para onde foi Camilla?"

amerika [ccarreira@gmail.com]


P.S.: Originalmente publicado como comentário à critica do filme Mulholand Drive no blog: http://mulholland-drive.blog-city.com

Saltaram, Saltei, Saltaste

Saltaram eles
Saltei também e senti-me a cair no vazio…
Sempre a cair…

Cair aos poucos…
Sempre aos poucos, fui perdendo o corpo
Não sentia o corpo…
Numa não-existência agonizante

Mas, sempre a cair…
Sempre…

A queda tornou-se rotina
Hábito
Como não ter corpo se tornou também um hábito…

De repente sinto um golpe forte sem dor…
Golpe no que me faz escrever…
Golpe no que me faz pensar…
Golpe na mente…

E aí senti…
Sei que senti.
Juro que senti.

Senti-te…
Dentro de mim a aconchegar-te
Dentro da minha mente
Dentro da minha existência…
E aí!

Aí, saltaste tu também

O Manifesto



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