Exageros

Mario Viegas em...

A Bachiana No.5 - Música vs. Poesia ?


Reencontrei-me com a conhecida, por devido mérito, dada a sua beleza - Bachiana n.º5.  Estava a viajar pelo Brasil, através do blog do meu amigo Eric, e deparo-me a ouvir esta famigerada obra, que "comigo mexe". Ora, "mexe" em dois sentidos. "Mexe" porque é linda, toda a gente percebe isso, e "mexe" porque a maior parte das grandes cantoras líricas que a cantam, com as suas belas e grandes vozes, umas mais doces, umas valkirianas, outras com dores de dentes e outras que tais, mas todas elas Primas Donas, a cantam e poucas são as que correctamente a interpretam. Nem sempre é uma questão musical que está em causa. Aliás, nem sempre é uma questão de afinação. O problema está na Língua, pois qualquer Língua tem musicalidade própria.  Não se percebe nada! Arrisco dizer, sob pena de ser processado, que muitas delas, as tais divas, nem sabem o que cantam. Aquele poema todo impregnado de Romantismo! As palavras transpiram musicalidade que nada tem que ver com as rosnadelas numa "tentativa", pouco ou nada convincente, de cantar a Lingua Portuguesa.
       Só houve uma interpretação que me"encheu", não tanto pelos dotes vocais, discutíveis ou não, mas por finalmente ouvir a minha Língua. Foi a brasileira Bidu Sayão, a cantora lírica para quem, se crê, que Heitor Villa-Lobos tenha composto esta 'Aria'. E que linda se tornou aos meus ouvidos! Que doce! Dramática, até!
Bom vou deixar de encarnar o papel de (pseudo)crítico de música erudita e deixo-vos o link e o poema. Eles que falem por si.
Letra: Ruth Valadares Corrêa


 (clique para ir ao Youtube e ouvir esta versão de Bidu Sayão. Conselho: Siga o poema...)
 
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!

Surge no infinito a lua docemente,

Enfeitando a tarde, qual meiga donzela

Que se apresta e a linda, sonhadoramente,

Em anseios d'alma para ficar bela

Grita ao céu e a terra toda a Natureza!

Cala a passarada aos seus tristes queixumes

E reflete o mar toda a sua riqueza...

Suave a luz da lua desperta agora

A cruel saudade que ri e chora!

Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente

Sobre o espaço, sonhadora e bela!

Uma pequenina luz





Uma pequenina luz bruxuleante

não na distância brilhando no extremo da estrada

aqui no meio de nós e a multidão em volta

une toute petite lumière

just a little light

una picolla... em todas as línguas do mundo

uma pequena luz bruxuleante

brilhando incerta mas brilhando

aqui no meio de nós

entre o bafo quente da multidão

a ventania dos cerros e a brisa dos mares

e o sopro azedo dos que a não vêem

só a adivinham e raivosamente assopram.

Uma pequena luz

que vacila exacta

que bruxuleia firme

que não ilumina apenas brilha.

Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.

Muda como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Brilhando indeflectível.

Silenciosa não crepita

não consome não custa dinheiro.

Não é ela que custa dinheiro.

Não aquece também os que de frio se juntam.

Não ilumina também os rostos que se curvam.

Apenas brilha bruxuleia ondeia

indefectível próxima dourada.

Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.

Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.

Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.

Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.

Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:

brilha.

Uma pequenina luz bruxuleante e muda

como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Apenas como elas.

Mas brilha.

Não na distância. Aqui

no meio de nós.

Brilha.



Jorge de Sena, 25 /09/1949

in Fidelidade (1958)




em vão

Elegante, entro no bar em que estavas

Descontraído, acendo um cigarro em sinal de quem espera

Percorro todo o bar, desde as pequenas mesas até aos lavabos.

Vasculho tudo ao mais ínfimo pormenor…

Pareceu-me ver-te

mas foi contudo uma ilusão


Falo com os habitués do sítio só para queimar mais algum tempo

Espero por ti e acendo mais um cigarro

Desencontrado, peço um whisky e bebo aos golinhos pequeninos

depois mais depressa

até que o acabo de um trago.


Desesperado começo a pensar que não vens.

Cravo um cigarro e espero mais um pouco

Vou à casa de banho e até aí penso em ti…

Regresso e tu não estás lá.


Falo com uma mulher que me convence a leva-la a casa (penso em ti)

O bar vai fechar.


Lembro-me


nunca lá estiveste

nunca lá tinhas estado

não conheces o bar

nunca vais conhecer


esperei em vão


tu não existes

would you like (II)

Mas não… Não Hoje sei… I can feel it Trancado por dentro, por ti… não! por… mim (?!) mas não… nãããããã acabou-se no more preso com correntes invisíveis e belas, sem me aperceber sequer da liberdade da liberdade que me emprestaste para logo a seguir me tirar E aqui está! Correntes e chá… Bonita combinação… eu nem sequer gosto de chá!