Writer's Block


Não me sai nada há que tempos e a culpa é tua, por me toldares a visão.
Se ao menos saísses da frente com essa tua beleza inebriante.
Com o teu corpo voluptuoso
Com o teu espírito viciante…
Mas não… insistes em levar o meu tempo emprestado para não mais o devolveres.
E eu insisto em olhar-te e deixar-me ensombrar por ti, como se de grilhetas o teu olhar se tratasse.

Até quando?
Até quando durará esta sensação, este querer e não conseguir, este tentar e não poder?

Até tu, com a tua beleza inebriante, o teu corpo voluptuoso e o teu espírito viciante decidires virar-te de frente para mim e dizeres

“Acabou”

Amor? Que saberão dele todos esses escritores amatórios?

"(...)O amor, sim. Amor? Dizem amor? Que saberão dele todos esses escritores amatórios, e não amorosos, que dele falam e querem excitá-lo em quem os lê? Que sabem dele os mestres das letras? Amor? Não amor, mas antes , melhor, carinho. Isso de amor – dizia Ramiro para  si mesmo – tem sabor a livro. Apenas no teatro e nos romances se ouve «eu amo-te»; na vida da carne, sangue e ossos o profundo «quero-te!», e guardando-o mais profundo ainda. Amor? Não, nem sequer carinho, mas sim algo sem nome e que se não diz por se confundir isso com a própria vida. A maior parte dos cantores amatórios sabem de amor o que de oração sabem as beatas. Não , a oração não é bem uma coisa que tenha de se cumprir a tais ou a tais horas, em lugar afastado e recolhido e em determinada posição, mas é um modo de fazer tudo devotamente com toda a alma e vivendo em Deus. Oração deve ser o comer, e o beber, e o passear, e o brincar, e o ler, e o escrever, e o conversar, e até o dormir e o rezar tudo, e a nossa vida um contínuo e mudo «faça-se a Tua vontade», e um incessante «Venha a nós o Vosso reino!», não apenas pronunciados, nem mesmos pensados, mas sim vividos. Assim ouviu uma vez Ramiro a oração a um santo homem religioso da qual passava por mestre, e assim o aplicou, depois, ele próprio ao amor. Pois o que sentira por sua mulher e a ela o cingia, via bem, agora que ela se fora, que se lhe chegou a confundir com o rotineiro decorrer da vida diária, que o respirara nas mil insignificâncias e bagatelas do viver doméstico, que lhe foi como ar que se respira e pelo qual se não dá, mas sim nos momentos de angustiosa asfixia, quando nos falta. E agora asfixiava-se Ramiro, e a dor da sua viuvez recente revelava-lhe todo o poder do amor passado e vivido.(...)" - assim falava o viúvo Ramiro sobre o amor, recordando a sua Rosa - in Tia Tula de Miguel de Unamuno.

Circuntâncias

Ele acorda. Literal e metaforicamente. Olha para si. Ouve o que se passa à sua volta. Lembra-se como foi o dia anterior. " 'Eu sou eu e a minha circunstância'... Alguém que me arranje circunstâncias, por favor!". Num vazio percebe que está farto. Num golpe de desesperada esperança percebe que está a precisar de alguma coisa. "Que raios! o quê?" Percebe. Ele olha para a janela, esse símbolo do futuro e percebe. Ele quer ir de caravelas fora, por mares e ares e terras nunca antes por ele navegados, voados, andados. Quer descobrir outras tágides que não as do Tejo, outras areias que não as deste deserto, outras margens que não as desta costa. Mas sempre bem; longe da Ilha dos Amores. Quer ir à conquista não de terras ou especiarias, mas de outras pessoas, outros cheiros, outros risos, outros olhos... Quer ir mesmo que seja ele próprio a soprar o vento nas velas, mesmo que os remos sejam as suas próprias mãos e o seu coração o leme. Quer ir, partir, dançar e cantar, rir! Quer ir para todo lado menos ficar aqui nesta terra de memórias alegres que apenas deixam saudade e não realidade. Quer ir e não para trás olhar, para não se transformar em sal, tal seriam as lágrimas. Quer ir e um dia vai, sem deixar recado. Ou talvez passe pelo Facebook a avisar. Mas vai. Um dia destes vai. Um dia destes. Um dia. Vai. E foi. Agora faltas tu. Acorda. Literal e metaforicamente. Olha para ti. Ouve o que se passa à tua volta. Lembra-te como foi o teu ontem. Eu sou eu e a minha circunstância? Faz as circunstâncias.