Tom Waits, Erros e Cieiro

Não faço ideia se os músicos se afastam tanto da sua música como eu da minha escrita. Na verdade, sendo uma das poucas coisas que me dá verdadeiro ânimo, é estranho e difícil perceber o porquê do meu afastamento continuado. Talvez seja um prazer masoquista, daqueles meio catárticos – afasto-me e desanimo, aproximo-me e volto a animar para logo depois me afastar e voltar a desanimar.
Não há razão lógica mas acontece. Creio que é um distanciamento saudável, daqueles para pensar se realmente vale a pena. Continuo sem obter uma resposta, nem estou à espera que ma dêem. Obtenho sim, respostas. Sempre que “pego” volto a obter uma resposta que me satisfaz no momento e isso chega-me, posso dizê-lo.
Chega-me para ir rabiscar umas coisas com interesse apenas “relativo” e principalmente interesse “próprio”.
Posso dizer em tom de desculpa que não tenho vontade de escrever neste teclado incómodo que muitas vezes me obriga a repetir os caracteres porque não entraram à primeira, e não sendo a paciência uma virtude que me tenha sido destinada, farto-me com rapidez (talvez esta “nota” não conheça mesmo o seu fim). Posso também acrescentar que a vontade foi mais forte que a falta de paciência e aqui estou eu a escrever em tom de conversa convosco (não sabendo até quando esse rácio de vontade/falta de paciência vai resistir).
Voltando à conversa do músico, agradecia que se algum de vocês me pudesse dar uma resposta concreta, não o fizesse pois isso ia estragar a capacidade imaginativa que agora coloca um Tom Waits três meses sem tocar num instrumento musical, sem sequer pensar nele para passado esse período de tempo pegar em qualquer coisa, juntar-lhe o som baço das suas cordas vocais cheias de tabaco e criar uma peça digna de registo (talvez uma merda, mas ainda assim digna de registo).
Agradecia que se encontrassem erros nesta pequena peça digna de registo (certamente uma merda, mas ainda assim digna de registo) que não mo dissessem porque sou bastante susceptível a críticas negativas.

Porque é que será que mesmo tendo os lábios gretados de tanto cieiro e usando um batom apropriado para o facto penso sempre que o mesmo é um acessório feminino?

No Gira-Discos II


Nesta segunda edição da nossa nova rubrica tomei a liberdade de trazer um convidado para dar alguma cor a este blog tão cinzentão; convidado esse que sempre admirei pelo bom gosto e pelo enorme conhecimento que detém em relação a boa música (e canta bem também, peçam-lhe para cantar)
Sem mais demoras deixo-vos com Nuno Pontes e The Dark Side of the Moon dos sobejamente conhecidos Pink Floyd


Alguns consideram-no “um dos melhores álbuns de sempre”. Outros consideram-no “o início da fase conceptual dos Pink Floyd”. Outros só conhecem o álbum porque tem “uma capa preta e um triângulo esquisito no meio, com um arco-íris a sair de lá”. É um prisma triangular, meus caros...
O valor de The Dark Side Of The Moon reside não só no seu conceito, mas também nas letras, da autoria de Roger Waters, que aproveita para fazer uma reflexão sobre a vida e as suas vicissitudes. Desde o nascimento (em Speak To Me / Breathe) até à morte (em The Great Gig In The Sky), os Pink Floyd fazem um percurso que passa pela forma como o tempo pode dominar as nossas decisões (Time), o consumismo que nos rodeia no dia-a-dia (Money), e os nossos problemas pessoais (Us And Them).
Este também é o primeiro álbum que apresenta uma homenagem, digamos assim, a Syd Barrett, através da letra de Brain Damage. O álbum termina da melhor forma, com Eclipse, cuja letra pode ser entendida de várias formas, como por exemplo, uma forma de observarmos o modo como vemos as coisas.
The Dark Side Of The Moon é complexo? Ao nível das letras, o tema é complexo. Musicalmente... Bom, se separarmos cada canção, não é tão complexo como isso. É fácil, para uma boa banda, fazer algo ao nível musical de Money, Us And Them ou Time, não colocando em causa o valor e qualidade dos exemplos referidos. Porque o verdadeiro ponto forte deste álbum é a forma como uma canção leva à canção seguinte, até ao final do álbum. É pela ordem estipulada que o álbum funciona. Não vale a pena começar com On The Run e terminar com Any Colour You Like. Não faz sentido, porque, até conceptualmente, Speak To Me / Breathe é o início, e Eclipse, como o título indica, é o fim. Não é apenas o fim. Esse fim está reservado a The Great Gig In The Sky. Eclipse é UM fim, e o fim ideal para um álbum como este.
O álbum que marcou a carreira dos Floyd. Seguir-se iam os musicalmente e conceptualmente mais complexos Wish You Were Here, Animals e a obra-prima The Wall. E a separação mais psicologicamente violenta da história da música. Foi o princípio de algo bom... mas também o princípio do fim de um grupo.
As palavras não chegam para apreciar este álbum. É necessário ouvi-lo. Boa audição!

Sr. Dr. Nuno Pontes para além de melómano é também humorista, tendo já escrito inúmeros sketches para teatro amador, radialista tendo feito comédia para rádio online e crítico de todos os temas e mais alguns como podem constatar semanalmente na sua rubrica ThematicMondays.
Nuno Pontes conta ainda com os blogs: http://cronicadodia.blogs.sapo.pt e http://etervirtual.blogspot.com/ onde dá azo aos seus devaneios.

No Gira-Discos


“Gira-Discos?” estarão vocês a pensar. “Já ninguém usa isso.”
Estou bem consciente disso, embora existam ainda uns tantos entusiastas que adoram o som meio arranhado da agulha no vinil, mas não é disso que esta nova rubrica trata.
“No Gira-Discos” é só um nome meio pomposo e pseudo-vintage que se arranjou como fachada para vos poder impingir a música que realmente gosto e quem sabe vocês possam também vir a gostar.
Esta rubrica não vai ter periodicidade fixa, sendo esta definida pela vontade e disponibilidade dos autores.
Mas sem mais delongas vamos passar ao primeiro disco que coloquei hoje no meu gira-discos de 4Gb de RAM e 500Gb de disco rígido.

Apresento-vos a mais recente promessa do jazz cantado mundial, Roberta Gambarini.
Roberta cresceu no seio de uma família italiana de Turim que sempre esteve muito ligada ao jazz e por isso Roberta desenvolveu o seu gosto musical desde muito cedo.
Aos 17 anos já cantava em vários bares no Norte de Itália e com 18 anos decidiu perseguir o seu sonho de ser cantora de jazz e rumou a Milão.
Desde 1998 que se mudou para os Estados Unidos e aí tem desenvolvido a sua carreira, actuando com nomes grandes do jazz actual como Herbie Hancock e Hank Jones.
Descrita com a nova Ella, Sarah Vaughan ou Carmen McRae tem o seu primeiro album editado em 2006 e desde então tem encantado críticos e aficionados um pouco por todo o mundo.

O disco que vos trago é já o seu terceiro e está nomeado para os 2010 GRAMMY'S como BEST JAZZ VOCAL ALBUM. 
“So In Love” é um disco bastante multifacetado e ecléctico onde Roberta canta maioritariamente em inglês mas não abandona as suas origens, cantando a belíssima Estate em italiano.
De referir também uma interpretação magistral de Over The Rainbow e da refrescante You Ain’t Nothing But a Jamf onde Gambarini mostra todo o potencial da sua voz, com improvisações de arrepiar os cabelos.
Mas a música é para ser ouvida:
Senhoras e Senhores
 Roberta Gambarini - So In Love (2009)

Teorema de Pitágoras


Estava num discreto bar, um homem bem apessoado sentado numa mesa a beber um bem encorpado whisky quando ao longe, ao balcão, vislumbra uma bem composta menina com os seus 20 anos e pouco e pouca discrição, diga-se.
Ora, o dito homem decide levantar-se da sua mesa e iniciar a sua incompleta busca pelo insaciável.
Aproxima-se da menina e faz um pequeno sinal ao barman que é prontamente reconhecido por este como o sinal de “serve um bebida a esta tipa que eu estou a tentar deitar numa das 5 camas do meu apartamento de 5 quartos, 2 casas de banho e um hall amplo todo repleto de mármore italiano importado, que pode ser que te dê uma gorjeta choruda”.
A menina acenou ao discreto senhor com um ar meio comprometido, meio exótico, meio provocante (o ar da rapariga tem 3 meios). Um ar de uma possível lolita fácil que ele poderá inclusive alternar entre uma cama e outra.
O gentil senhor aproxima-se, com os seus pesados 35 anos disfarçados pela sua profissão, e diz para a menina a frase de engate que nunca lhe havia falhado

 - Sabias que, num triângulo rectângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos?

A doce e cândida moça olha para ele com ar de medusa infantil, como que o desejando e ao mesmo tempo fulminando com o olhar.
O nobre alazão não cabe em si de contente após uma nova gloriosa conquista e enquanto tira a carteira de pele de cavalo do bolso do seu fato feito à medida a angélica menina brinda-o com um beijo na face e diz:

 - Até logo pai.

Writer's Block


Não me sai nada há que tempos e a culpa é tua, por me toldares a visão.
Se ao menos saísses da frente com essa tua beleza inebriante.
Com o teu corpo voluptuoso
Com o teu espírito viciante…
Mas não… insistes em levar o meu tempo emprestado para não mais o devolveres.
E eu insisto em olhar-te e deixar-me ensombrar por ti, como se de grilhetas o teu olhar se tratasse.

Até quando?
Até quando durará esta sensação, este querer e não conseguir, este tentar e não poder?

Até tu, com a tua beleza inebriante, o teu corpo voluptuoso e o teu espírito viciante decidires virar-te de frente para mim e dizeres

“Acabou”

Amor? Que saberão dele todos esses escritores amatórios?

"(...)O amor, sim. Amor? Dizem amor? Que saberão dele todos esses escritores amatórios, e não amorosos, que dele falam e querem excitá-lo em quem os lê? Que sabem dele os mestres das letras? Amor? Não amor, mas antes , melhor, carinho. Isso de amor – dizia Ramiro para  si mesmo – tem sabor a livro. Apenas no teatro e nos romances se ouve «eu amo-te»; na vida da carne, sangue e ossos o profundo «quero-te!», e guardando-o mais profundo ainda. Amor? Não, nem sequer carinho, mas sim algo sem nome e que se não diz por se confundir isso com a própria vida. A maior parte dos cantores amatórios sabem de amor o que de oração sabem as beatas. Não , a oração não é bem uma coisa que tenha de se cumprir a tais ou a tais horas, em lugar afastado e recolhido e em determinada posição, mas é um modo de fazer tudo devotamente com toda a alma e vivendo em Deus. Oração deve ser o comer, e o beber, e o passear, e o brincar, e o ler, e o escrever, e o conversar, e até o dormir e o rezar tudo, e a nossa vida um contínuo e mudo «faça-se a Tua vontade», e um incessante «Venha a nós o Vosso reino!», não apenas pronunciados, nem mesmos pensados, mas sim vividos. Assim ouviu uma vez Ramiro a oração a um santo homem religioso da qual passava por mestre, e assim o aplicou, depois, ele próprio ao amor. Pois o que sentira por sua mulher e a ela o cingia, via bem, agora que ela se fora, que se lhe chegou a confundir com o rotineiro decorrer da vida diária, que o respirara nas mil insignificâncias e bagatelas do viver doméstico, que lhe foi como ar que se respira e pelo qual se não dá, mas sim nos momentos de angustiosa asfixia, quando nos falta. E agora asfixiava-se Ramiro, e a dor da sua viuvez recente revelava-lhe todo o poder do amor passado e vivido.(...)" - assim falava o viúvo Ramiro sobre o amor, recordando a sua Rosa - in Tia Tula de Miguel de Unamuno.

Circuntâncias

Ele acorda. Literal e metaforicamente. Olha para si. Ouve o que se passa à sua volta. Lembra-se como foi o dia anterior. " 'Eu sou eu e a minha circunstância'... Alguém que me arranje circunstâncias, por favor!". Num vazio percebe que está farto. Num golpe de desesperada esperança percebe que está a precisar de alguma coisa. "Que raios! o quê?" Percebe. Ele olha para a janela, esse símbolo do futuro e percebe. Ele quer ir de caravelas fora, por mares e ares e terras nunca antes por ele navegados, voados, andados. Quer descobrir outras tágides que não as do Tejo, outras areias que não as deste deserto, outras margens que não as desta costa. Mas sempre bem; longe da Ilha dos Amores. Quer ir à conquista não de terras ou especiarias, mas de outras pessoas, outros cheiros, outros risos, outros olhos... Quer ir mesmo que seja ele próprio a soprar o vento nas velas, mesmo que os remos sejam as suas próprias mãos e o seu coração o leme. Quer ir, partir, dançar e cantar, rir! Quer ir para todo lado menos ficar aqui nesta terra de memórias alegres que apenas deixam saudade e não realidade. Quer ir e não para trás olhar, para não se transformar em sal, tal seriam as lágrimas. Quer ir e um dia vai, sem deixar recado. Ou talvez passe pelo Facebook a avisar. Mas vai. Um dia destes vai. Um dia destes. Um dia. Vai. E foi. Agora faltas tu. Acorda. Literal e metaforicamente. Olha para ti. Ouve o que se passa à tua volta. Lembra-te como foi o teu ontem. Eu sou eu e a minha circunstância? Faz as circunstâncias.