Prokofiev

E lá se encontra ele com o seu ar de extrema importância, como se não houvesse nada nem ninguém que percebesse tanto do assunto como ele.

Entra naquele auditório que parece ter mais de 100 anos (na realidade tem) e olha com desdém para tudo quanto é lado.
Vêm-se cadeiras com os seus assentos meio desfeitos.
Não existe uma cadeira intacta.
“Podridão” pensa ele sem que ninguém saiba.

Senta-se no entanto numa cadeira que lhe parece menos tocada.
“Merda” pensa no segundo a seguir. A cadeira tinha soltado um rangido que tinha despertado toda a plateia.
Podia estar num sitio desagradável, com um cheiro a mofo insuportável, com as cadeiras a caírem aos pedaços, num sitio em que a única coisa aceitável e com a dignidade de não estar num museu era um imponente piano de cauda negro que se encontrava no cimo de um palco, ele mesmo em pior estado que a sala no geral.

Isso motivava-o a estar ali naquela manhã.
Quando começava a rever mentalmente o seu plano para o resto da manhã é interrompido pelo júri que acabara de entrar.
“Desgraçados. Devem perceber muito de música, devem. Nem sabem distinguir uma dissonância duma desafinação” voltou a pensar.

Antes de ter tempo para voltar a insultar mentalmente o júri da audição, entra o aluno e dirige-se ao piano num passo nervoso.
Era um jovem alto, com o cabelo encaracolado e com um ar de génio estranhamente invulgar.
Sentou-se então ao piano depois de, com apenas um gesto, pedir permissão ao júri para começar.

Começou freneticamente a tocar.
Ele apreciava com um brilho nos olhos.
De inicio o aluno tocou um ensaio bastante fortíssimo e com uma potência digna de um mestre.
Ele estava encantado.

Dentro da sua mente viu logo o futuro do rapaz, viu ali um génio, viu que o rapaz estava no fim do curso e que iria ter uma brilhante carreira.

Voltou-se para trás e viu também um júri deslumbrado com a maioria dos seus elementos de queixo caído.

Aproximava-se a prova mais difícil, mas ele estava ciente de que essa prova seria facílima para o jovem talento.

Era de Prokofiev.
Começou muito bem, cheio de força, cheio de garra, cheio de virtuosismo.
Ia a caminhar a passos largos para o final, já com o suor a correr-lhe a cara.
“Uma peça dificílima” pensou mesmo ele.
“Dificilmente a tocava” começou ele a recriminar-se
“Não acredito! Chega aqui um geniozinho e rouba-me o lugar” pensou ele enraivecido.

As suas feições tinham mudado.
Há momentos abismado com o talento, agora encontrava-se com uma cara invejosa e exasperada.
“Não pode ser” bradou ele num tom baixo mas furioso

Falara pela primeira vez…
Ninguém olhou para ele, nem mesmo o aluno.

De repente, o aluno engana-se em apenas uma nota.
Podia ser até tomada como uma dissonância mas para o ouvido dele isso era uma “corda partida”

Dum só impulso ouve-se um baque.
Vê-se o corpo do aluno a tombar morto por cima do piano fazendo um completo martelanço intolerável.

Todas as atenções se viraram para ele, mas ele apenas disse calmamente mas sem sequer tentar esconder aquele ar de sadismo e de inveja saciada.

“Desafinou”