Esquadra


Fui eu cumprir o meu dever e direito de cidadão – apresentar queixa do roubo da minha carteira (que por acaso ocorreu há quatro meses atrás) com vista receber o certificado de roubo e etc.…Após diversas tentativas, fui à esquadra de Queluz onde aguardei cinco minutos. dez minutos. quinze minutos. Até que o chefe lado sítio [sim porque eu soube logo quem era O CHEFE, porque quando me deparo com aquela barriga-barril, com aquela cara cicatrizada, com aquele olhar todos-me-devem-e-ninguém-me-paga, percebo logo quem era o manda-chuva lá do sítio. Isto tudo e a placa que dizia Chefe Simões (nome fictício)] veio ter comigo e, após contar-lhe o sucedido, deu-me um raspanete por eu me ter demorado quatro meses a apresentar queixa, o que demorou três minutos.
Após o sermão, disse que trataria do meu assunto mal recebesse um fax e atendesse uma senhora, na qual eu ainda não tinha reparado. Eu e a senhora aguardámos ordem de entrada. A senhora é chamada. Eu aguardo. dez minutos. vinte minutos. quarenta minutos. A senhora parece que se vai levantar para sair - mas não - apenas ajeitou as calças. Mais cinco minutos. mais dez. A senhora sai. Será agora – pensei eu esperançosamente. Vou ter com o dito chefe que encontrava a fumar na recepção onde estavam afixadas duas placas a dizer PROIBIDO FUMAR. Fui ter com ele com brandura - embora ainda um pouco magoado com o raspanete – e perguntei – Olhe, desculpe, sabe se vai demorar muito? – e isto muito inocentemente! Ao que ele respondeu – Olhe, não sei, já acabou o meu turno. Agora é com o meu colega. Tudo depende dele... - O QUÊ?? - gritou-se na minha cabeça - Obrigado - respondi eu contendo a ironia.
Passara, cinco e dez e quinze minutos e eu esperado ser atendido em breves instantes, até qu.. ouve-se um choro (ai maldito choro!!). Era uma miúda inconsolável que vinha com a sua mãe. Tinha sido assaltada. E claro, alegando o facto de ter sido assaltada há menos de quinze minutos (!) tem prioridade. Depois deste todo sofrimento e mais algum (uns vinte minutos) fui atendido por um homem, dito chefe, com tiques estranhos na mão, que perguntou o meu nome pelo menos três vezes e não sabia se havia de escrever biciclete ou bicicleta. Nesta sala encontravam-se dois a três policias. Quando cheguei estava a dar na tv os morangos com açucar e passados cinco minutos chega um polícia e muda para a floribella (!). Por isso é que a nossa polícia funciona como funciona! Um dia ainda hei-de escrever um tratado anti-floribella!

Quase...Partido


Está prestes!
Mesmo quase!…

Prestes a cair…

Quase…
Quase…



Merda!

Não cai!

- “O quê? Não cai?”

Não! Não viste?

- “Ai, e agora?”

Agora… Atira-se outra vez, calma

- “Vai lá, força”



- “E agora?

Agora? Agora nada, foda-se! Não cai…

- “Lança outra vez”



Ai, foda-se… Partiu-se… Cortei-me

- “E caiu?… Caiu?”

Ai, foda-se… Não!

- “Não? Como não?”

Não caiu!

- “Então não conta… Faz outra vez”

Outra vez? Como outra vez? Não há copo!

- “Não há copo? Então faz-se contigo… e desta vez atiro eu… Assim não me corto de certeza”

Morri.


Acordo. Oiço a chuva a cair no telhado e a lacrimejar na minha janela.

Um dia cinzento, cheio de tristeza e de pranto. Oiço-me respirar. Oiço dentro de mim o cantar de um coro, cantando um som triste e profundo. Deitado. As lágrimas percorrem-me a face. É como estivesse sozinho no mundo. Só. Triste. Não havia ninguém. Estava morto.

Ali, deitado, continuava a ouvir o coro a cantar ao compasso da chuva. Naquele dia cinzento morri. Estava leve. Vazio. Calmo. Não estava. Não existia.

E o coro cantava em pranto a minha morte e a chuva chorava a minha perda.

Durante mais de dez minutos fiquei ali, a olhar o vazio do meu tecto branco. Não estava ali. Durante dez minutos eu morri. Durante dez minutos estive só.

Hollywoodescamente

Desço a rua com um passo apressado!
Hollywoodescamente vou ultrapassando várias pessoas que aparentemente parecem banais e dispensáveis.
Nitidamente já estava farto de estar ali dentro…
Saí porta fora como se o mundo fosse todo meu!
Tiro a gravata, e como se não me tivesse custado os olhos da cara atiro-a ao chão caindo esta no meio de cimento ainda não solidificado.
O preto que lá estava chamou-me todos os nomes que se lembrou mas simplesmente lhe disse

“Se quiser fique com ela”

Continuei o meu percurso apressadamente.
Pisei merda e sem pensar, descalcei os sapatos e as meias como se em casa estivesse e deixei-os no meio do passeio!

Continuei o meu percurso sem rumo certo.
Estanquei de repente…
Pensei durante segundos…
O meu raciocínio, pouco desenvolvido, foi interrompido por um pombo que passou.
Tirei a camisa e entreguei-a à mulher que me vinha a ultrapassar naquele momento. Agarrou-a e ficou a olhar para mim como se nunca tivesse visto um louco.
Arranquei, enquanto que ela tomava o meu lugar de pessoa imóvel ali parada à espera de um pombo.

Em frente!
Um skate! Escorreguei! Caí!
Sangue! Uma lágrima!

Tirei as calças e fiz com que o miúdo as engolisse.

Adiante naquele percurso que nunca mais acabaria…


Não podia acreditar que estava meio nu no meio da rua em frente a um cabaré.

De repente vi uma máscara…
Pus a mascara. Levei um tiro. Morri…

Estupidamente Perdido

Estou estupidamente perdido quando parece finalmente que me encontrei!


“Inexplicável” – disse…

O nosso futuro é a nossa Terra do Nunca… Parece que nunca lá chegamos, e quando parece realmente que nos estamos a aproximar, ela afasta-se de nós com uma rapidez espantosa…
É o mágico da Terra do Nunca…
Só lá chegamos quando não pensamos atingi-la, chegamos quando menos esperamos, quando o nosso desejo de lá chegar é tão grande que supera a própria vontade sedenta de futuro…

É o completo nada que é tudo, é um mito por poucos tornado realidade e que aos nossos olhos parece irreal…

Um espelho aberto para a entrada intemporal no mundo do Nunca.

Parece que não estou assim tão preparado para lá chegar!

Enquanto e não, vou-me iludindo com a mágica beleza de quem lá chegou e de quem não quer por nada voltar…





Eu sou a prova natural mais perfeita da imperfeição. Tu és a portentosa personificação da mais pura ingenuidade
Fabrizio Denaro