Hipérbole

A manhã nasce devagar, enquanto o sol ,a espreguiçar-se, estende os seus braços pelas colinas verdes que aqui abundam. Os pássaros cantam ao ritmo do vento que assobia e abraçam as árvores, criando um som único e calmante. O rio, lá ao longe, também toca uma sinfonia num tom fresco e agradável.
A manhã. A manhã nasce. Nasce devagar.

Não consigo escrever.

Eis o que nos acontece quando, querendo escrever, estamos divorciados da imaginação. Mentimos descarada e conscientemente. Tornei o Pendão, o local onde vivo, um local um tanto sujo e cinzento, num espaço quase ideal. As colinas (quase) verdes de que falo, são montes sujos e amarelos que servem de ferro-velho e de abrigo a minifúndios de má qualidade. Os pássaros… Os pássaros não são assim tantos os que aqui se atrevem e desejam cantar. O vento aqui é forte e de facto faz abanar os plátanos sempre monotonamente outonais. Nus, sem brilho, mortos. O rio, que há muito que não é límpido, corre e arrasta com a sua corrente o lixo que lhe entregam.

Se calhar não estava tão desassociado da imaginação para mentir com tanto "engenho e arte”.

De facto a manhã, aqui, nasce devagar. Olhando para os carros lá em baixo a buzinar e a esperar inquietamente que a fila ande só mais meio metro. A manhã nasce devagar com o raio dos dois cães (de pequena estatura) que com ar superior e irritante ladram e ameaçam morder. A manhã nasce devagar quando no comboio o silêncio não é agradável mas sim um punhal. Quando as caras das pessoas não são brancas, não são pretas, não são amarelas, não são sorridentes, vivas (!) ... são cinzentas e ausentes de sangue vermelho.

Mais um dia. É apenas mais um. E a manhã? A manhã nasce devagar.

3 pseudo-comentários:

Anónimo disse...

O que mais dizer sobre momentos descritos perfeitamente, momentos naturais intrínsecos a mim em tantos dias que já passaram...
já é o segundo post e já adoro estas poucas ideias a preto e branco. Surpreendentemente delicioso lê-las.
***

Simão Miranda disse...

Uma maneira muito encantadora de ver a nossa lindíssima "aldeia"!

Anónimo disse...

"Eis o que nos acontece quando, querendo escrever, estamos divorciados da imaginação."

E tantas vezes q isso acontece..!
Dou por mim a escrever acerca de factos completamente afastados (outros nem por isso) da realidade q sei que vivo.

Mas olha q é bem agradável. Lamento nao conseguir transpor depois. É melhor pintar o mundo cinzento e torná-lo melhor, nem que seja pelo nosso tempo de escrita.

(e pintar com quantas cores o vento teeeeeeeeeeeeeeeeem! LOL =X bolas, desculpa! estou aqui a dar uma de parva..)

Imaginei um nascer do sol, da manhã, em câmara lenta.

Bjs